Depois os tempos mudaram, as pestes passaram a ser outras, a fome foi escondida, e a violência e a intolerância passaram a ser tapadas sob um manto de palavras. O sangue passou a ser algo que aparecia apenas em países distantes e “barbáricos”, que se viam na TV, em ecrãs de plasma que nos separavam do verdadeiro horror. Havia um deus qualquer lá em cima, claro (afinal é preciso um, ou então o que é que vamos fazer ao morrer?) mas não tinha nenhuma opinião a dar sobre o funcionamento das coisas terrenas. Só fanáticos retrógrados e com propensões violentas o temiam. Nós não, as pessoas modernas e sofisticadas não tinham medo de nada, acreditavam na Ciência, que iluminava o escuro com a sua luz néon bruxuleante. O desconhecido era temporário, “haviamos de chegar lá”. Já não eram precisos heróis, esses malvados tiranos que haviam oprimido a humanidade com as suas espadas e noções de “honra” e “valor”, que agora sabíamos serem arbitrárias e relativas. A tecnologia cortava-nos todas as amarras. E os monstros também tinham direito á vida.
Mas os monstros não eram burros, sabiam bem que as luzes néon pareciam iluminar mais que velas, mas, na realidade, acabavam por deixar o mesmo número de recantos escuros. Era aí que eles decidiram habitar. Entretanto, de vez em quando, apareciam nas áreas iluminadas (com óculos de sol, porque para eles não convém ver luz por muito tempo) e convenciam os humanos que como eles tinham sido as vitimas do passado, pobrezinhos, deveriam ser eles agora a orientar (neste tempo ninguém liderava ou conduzia, porque isso eram coisas retrógradas, do tempo das velas) os caminhos do mundo. Também convenceram a humanidade que não havia recantos escuros, havia luz em todo o lado. Isso fez com que qualquer herói que procurasse os monstros tivesse muita dificuldade em encontrar os locais onde se escondiam. Depois todos ficaram a saber que já não eram precisos ideais, sonhos ou, em ultima analise, esperança. Porque o mundo estava todo á vista, naquela fantástica luz néon. Só tínhamos que nos render e fazer o melhor possível com o que tínhamos á mão. Tudo o resto eram ilusões vazias.
Então, armados com espadas velhas e enferrujadas, vestindo armaduras rotas e insuficientes, partiram, cada um deles julgando-se só, para combater os monstros no escuro. Estes não eram os heróis antigos, estavam cheios de dúvidas e as suas velas eram mais fracas, incertas e difíceis de acender. A sua tarefa não era gloriosa, mas dura e pouco recompensada. No entanto estes novos heróis foram na mesma à aventura. Se algum deles foi bem sucedido, no entanto, só o futuro o dirá, porque a historia termina, incompleta, por aqui…"