terça-feira, 31 de julho de 2007

De Cavaleiros Andantes e Outros Herois


Nos últimos tempos o livro que me tem servido de companhia e para onde vou sempre que me apetece, tem sido o velhinho e clássico Dom Quixote. Não levei muito tempo a apaixonar-me por esta historia fantástica e rapidamente a minha cabeça ficou cheia de pensamentos sobre ideais e desilusão. Correndo o risco de ser "actualocentrico" acho que esta obra é mais pertinente do que nunca. E "á custa de muito ler e pouco dormir" acabei com o texto que se segue entre mãos, não é nada de especial, mas mesmo assim gostava de o partilhar porque acho que este blog é o lugar dele, por isso aqui vai:


"Tudo começou há muitos anos, quando o mundo era preenchido por ideais, sonhos e outras loucuras. Nesse tempo havia peste, fome, violência, intolerância e tantas outras coisas que nunca realmente saíram de moda, mas que se tornaram mais mal vistas com a passagem dos séculos. O sangue não era apenas algo que corria nas veias, nem os deuses figuras ausentes que olhavam para o mundo e para os homens com um certo enfado de quem já viu tudo o que havia para ver. Não. Nesse tempo eles eram temidos. Havia medo. O escuro era mais escuro e o desconhecido mais ameaçador. Era um tempo em que eram precisos heróis. Homens poderosos e sem medo que corriam a terra, desbravando o desconhecido, acendendo velas na escuridão e trespassando monstros e tiranos (ou, pelo menos, outros tiranos) com as suas espadas. Eram homens de “honra” e “valor”, gente que cada um de nós, secretamente, aspirarava ser.

Depois os tempos mudaram, as pestes passaram a ser outras, a fome foi escondida, e a violência e a intolerância passaram a ser tapadas sob um manto de palavras. O sangue passou a ser algo que aparecia apenas em países distantes e “barbáricos”, que se viam na TV, em ecrãs de plasma que nos separavam do verdadeiro horror. Havia um deus qualquer lá em cima, claro (afinal é preciso um, ou então o que é que vamos fazer ao morrer?) mas não tinha nenhuma opinião a dar sobre o funcionamento das coisas terrenas. Só fanáticos retrógrados e com propensões violentas o temiam. Nós não, as pessoas modernas e sofisticadas não tinham medo de nada, acreditavam na Ciência, que iluminava o escuro com a sua luz néon bruxuleante. O desconhecido era temporário, “haviamos de chegar lá”. Já não eram precisos heróis, esses malvados tiranos que haviam oprimido a humanidade com as suas espadas e noções de “honra” e “valor”, que agora sabíamos serem arbitrárias e relativas. A tecnologia cortava-nos todas as amarras. E os monstros também tinham direito á vida.

Mas os monstros não eram burros, sabiam bem que as luzes néon pareciam iluminar mais que velas, mas, na realidade, acabavam por deixar o mesmo número de recantos escuros. Era aí que eles decidiram habitar. Entretanto, de vez em quando, apareciam nas áreas iluminadas (com óculos de sol, porque para eles não convém ver luz por muito tempo) e convenciam os humanos que como eles tinham sido as vitimas do passado, pobrezinhos, deveriam ser eles agora a orientar (neste tempo ninguém liderava ou conduzia, porque isso eram coisas retrógradas, do tempo das velas) os caminhos do mundo. Também convenceram a humanidade que não havia recantos escuros, havia luz em todo o lado. Isso fez com que qualquer herói que procurasse os monstros tivesse muita dificuldade em encontrar os locais onde se escondiam. Depois todos ficaram a saber que já não eram precisos ideais, sonhos ou, em ultima analise, esperança. Porque o mundo estava todo á vista, naquela fantástica luz néon. Só tínhamos que nos render e fazer o melhor possível com o que tínhamos á mão. Tudo o resto eram ilusões vazias.

No entanto uma mão cheia de Homens, herdeiros de Dom Quixote e outros loucos não se acreditaram nos monstros. Aperceberam-se também que os heróis do passado não eram mais que simples pessoas que acreditavam profundamente em algo, mas que não se limitavam a isso, e agiam para tentar fazer do mundo um lugar mais decente.
Então, armados com espadas velhas e enferrujadas, vestindo armaduras rotas e insuficientes, partiram, cada um deles julgando-se só, para combater os monstros no escuro. Estes não eram os heróis antigos, estavam cheios de dúvidas e as suas velas eram mais fracas, incertas e difíceis de acender. A sua tarefa não era gloriosa, mas dura e pouco recompensada. No entanto estes novos heróis foram na mesma à aventura. Se algum deles foi bem sucedido, no entanto, só o futuro o dirá, porque a historia termina, incompleta, por aqui…"

segunda-feira, 16 de julho de 2007

A Torre Barroca

Normalmente não sou muito o tipo de pessoa que liga aos seus sonhos. Quando os tenho costumo acha-los divertidos ou interessantes mas não gosto muito de aborrecer as outras pessoas com eles, o meu subconsciente é meu e a mais ninguém interessa. Mas hoje, excepcionalmente, tive um que me prendeu a atenção mais que o habitual, talvez por ser tão vívido e estranho. Era um daqueles sonhos em que nós assistimos a uma cena, mas não somos parte dela. Passava-se dentro de uma enorme torre, onde todas as superfícies estavam cobertas com uma talha dourada, extremamente elaborada, tipo barroca. Numa plataforma móvel, vários metros acima do chão (que quase não se via, lá ao fundo) estava uma rapariga jovem, mais ou menos com vinte e poucos anos, vestida de verde. Eu sabia que estava a ver uma cena que se passava depois de uma história importante. A rapariga na plataforma era uma princesa (ou algo que o valha) que tinha sido, numa ocasião anterior, salva de um destino horrivel, a muito custo.

Nesse momento, surgiu outra rapariga, muito parecida com a primeira, num varandim ligeiramente mais elevado. Tinha sido ela quem raptara a princesa e a levara para ali. Queria vingar-se. No entanto, a princesa não fazia a mínima ideia de quem a sua raptora era, nunca a tinha visto mais gorda. Então, a Senhora da Torre (chamo-a assim para a distinguir) contou a sua história, aquela que não era conhecida de ninguém, aquela que não era uma lenda. Ela vinha de uma linhagem tão importante como a da princesa, tinham ambas a mesma idade, a mesma beleza e o mesmo mérito. Não havia um ponto que as distinguisse. Excepto o acaso. Enquanto a princesa estava a ser resgatada em glória, a Senhora da Torre, toda a sua família e tudo o que tinha, foram “danos colaterais” na violenta guerra que se travou para a salvar, sem nada ter a haver com o assunto. Não havia qualquer registo da sua história porque nela não havia um “final feliz”.

Aqui acordei, felizmente, porque instintivamente sabia que o que a Senhora da Torre queria fazer á princesa não iria ser muito bonito de se ver (provavelmente ia envolver torturas, ferros quentes, e bastantes gritos).

Não sei o que me levou a ter este sonho tão estranho, mas sei que me deixou impressões bastante duradouras. As personagens entranharam-se na minha mente (ou, se calhar, já lá estavam antes, por isso é que as conhecia tão bem) e não sabia o que pensar. Se por um lado as acções vingativas da Senhora da Torre são indefensáveis, por outro compreende-se bastante bem a sua revolta. Claro que a princesa não era, realmente, culpada de nada. Mas a questão mantinha-se, afinal, quem era culpado? Porquê que duas pessoas tão iguais acabaram de formas tão diferentes? E, o mais assustador, é saber que isso pode muito bem acontecer na vida real. Nós, infelizmente, não estamos no controlo. Se calhar nada está. Ás vezes parece que tudo que nos acontece é apenas “porque calha”, sem nada nem ninguém ter em conta quem somos, ou o que merecemos. Isto lembra-me as palavras da Morte, no livro “Reaper Man” de Terry Pratchett, quando falava sobre o Universo: “Não existe justiça, apenas existimos nós.” Muitas vezes temo que isto seja realmente verdade...

segunda-feira, 9 de julho de 2007

A Caminhada


Recentemente fiz uma descoberta. Uma daquelas descobertas pequeninas que não têm grande valor, mas que, ao mesmo tempo, nos fazem ver uma ou duas coisas em que nunca pensamos. A minha descoberta começou com uma caminhada. Ultimamente tenho feito muito disso, sem que saiba muito bem porquê. Simplesmente apetece. Ao andar à beira-mar, pelo passadiço, uma pessoa pode tropeçar em coisas interessantes (metafórica e literalmente). A mente divaga enquanto os pés fazem o trabalho todo. Foi numa dessas ocasiões que me veio esta ideia tola à mente: “Bolas, eu caminho, caminho, caminho, mas parece que estou sempre no mesmo sítio.” E era verdade, a paisagem pouco mudava, o mar e a areia estavam sempre à minha direita, a rua, mais ou menos afastada, estava sempre à minha esquerda e o céu, monotonamente azul e claro como só um céu de Verão consegue ser, estava (obviamente) sempre lá em cima. E era tudo. Depois surgiu a pergunta: “Mas se de facto é assim, nada muda, porquê que continuo a andar? Porquê que não paro?” E a resposta surgiu de duas formas diferentes. A primeira, e mais imediata, é que, sem nenhuma boa razão, caminhar sabia mesmo muito, muito bem. Podia não ter sentido, mas mesmo assim valia a pena.
E quase ao mesmo tempo a segunda resposta apareceu quando olhei para o longe. Pequenina, à distância, encavalitada no seu antigo rochedo mesmo sobre o mar, lá estava a capela do Sr. da Pedra. A cada passo que dava ficava mais próximo dela. Podia não parecer, mas ficava. Mais uma vez, se me perguntassem porque queria lá chegar eu não o saberia dizer. A única resposta minimamente próxima da verdade seria “porque decidi que era até lá que ia”. Mais nada.
Continuei a caminhar, e, enquanto o fazia, tudo se mantinha no mesmo sítio, exceptuando eu e o local para onde me dirigia, que iamos ficando cada vez mais próximos.

Foi nessa altura que me apercebi (quase dando uma palmada na testa como quem se esqueceu de fazer o totoloto) de uma coisa que deveria ser bastante óbvia. Aquilo era tudo uma metáfora. Eu estava metido numa metáfora viva. Na vida real, na do dia a dia, nada muda, mas nós temos que continuar a andar. Em parte porque apesar de tudo (do cansaço, das bolhas metafóricas e do tédio ocasional) é bom continuar a viver. Em segundo (e alguns argumentarão que isto é o mais importante embora eu não esteja muito certo disso), porque se não o fizermos aí sim, podemos ter a certeza de que nunca chagaremos onde decidimos chegar. Afinal quando terminamos o caminho podemos ter exactamente o mesmo com que começamos e à nossa volta nada mudou, mas há uma diferença, uma grande diferença, nós mudamos, nós sentimo-nos melhor porque fizemos “A Caminhada”. E isso tem que bastar…